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Biografia:
Antenor de Veras Nascentes (1886-1972)

ANTENOR NASCENTES: O HOMEM POR TRÁS DAS IDEIAS
Aira Suzana Ribeiro Martins (Colégio Pedro II)
O Seminário do Arquivos de Saberes Linguísticos (SASLi), em sua segunda edição, homenageia a figura ilustre de Antenor de Veras Nascentes (1886-1972). Ele foi professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), antiga Faculdade La-Fayette e depois Universidade do Distrito Federal. Seu ingresso se deu em 1937, por ocasião da criação da cadeira de Filologia Românica na universidade. Antenor Nascentes foi também professor da Universidade Federal Fluminense.
Nascido no Rio de Janeiro a 17 de junho de 1886, neto de escrava, Antenor Nascentes teve uma infância muito pobre. Desde os primeiros anos de sua formação escolar mostrou-se um aluno brilhante, o que levou sua professora do curso primário a inscrevê-lo, com 11 anos, no concurso para o Ginásio Nacional, como passou a se chamar o Colégio Pedro II após a Proclamação da República até 1911. Aprovado com distinção, a professora Amélia Fernandes Costa, que havia feito sua inscrição para o exame, se tornou responsável por manter aquele estudante que, por seu brilhantismo, alcançou o prêmio do Panteão Escolar, distinção concedida aos melhores alunos do Colégio. Companheiro de turma de Manuel Bandeira, Álvaro Ferdinando de Souza da Silveira, Augusto Haddock Lobo, entre outros, em 1902, Antenor Nascentes concluiu o curso de Bacharel de Ciências e Letras do Ginásio Nacional.
Dando continuidade à sua formação e com o propósito de não perder o contato com a comunidade escolar que lhe dera tantas oportunidades, resolveu cursar a Faculdade de Ciências Jurídicas pelo fato de funcionar no prédio do Colégio, segundo relato da revista Internato (Dobbert et al., 1953). Em reconhecimento por ter sido o melhor aluno do curso secundário, recebeu uma bolsa para estudar Direito, que finalizou em 1909.
Bacharel em Direito, fez concurso para os Correios, onde trabalhou até passar a exercer o cargo de 3º Oficial da Secretaria do Ministério da Justiça e Negócios Interiores por meio de outro concurso. A experiência no serviço público levou Antenor Nascentes a publicar, em 1914, a obra Ligeiras Notas sobre a Redação Oficial. O sólido conhecimento musical adquirido em sua formação escolar motivou, em coautoria com o professor José Raimundo da Silva, a publicação, em 1917, da obra Elementos de Teoria Musical.
O desejo de retornar como professor à casa onde estudara fez com que Antenor Nascentes prestasse concurso para a cátedra de Espanhol, recém criada no estabelecimento, com a tese intitulada “Um ensaio diferencial dos elementos gregos que se encontram no Espanhol”. Aprovado em primeiro lugar, em 1919, foi nomeado o professor catedrático de língua espanhola do Colégio Pedro II. Com o término da cadeira de Espanhol na instituição, em 1928, passou a ocupar a cadeira de Português. Essa transferência sem concurso custou-lhe severas críticas por parte do corpo docente do colégio. Como prova de seus conhecimentos, em 1932, o professor publicou o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, prefaciado pelo grande filólogo alemão Meyer-Lübke. Fruto de 20 anos de pesquisa, esse dicionário é considerado por muitos como sua obra mais importante e mais tarde, em 1952, Nascentes publicou o segundo volume do dicionário, o Dicionário Etimológico de Nomes Próprios. Além de ter sido celebrado pelo meio acadêmico, o primeiro volume do Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa contribuiu para que ingressasse no círculo restrito de filólogos, como Said Ali, Augusto Magne e Souza da Silveira, de acordo com Celso Cunha (2006).
Segundo Bechara (2020), a publicação desse dicionário fez com que Antenor Nascentes se tornasse respeitado em Portugal e nos países que pesquisavam sobre a Filologia portuguesa, como Alemanha, França, Inglaterra, Espanha e Romênia.
Seu trabalho com o léxico pode ser visto em o Vocabulário Ortográfico (1941). Como informa Bechara (2020), essa obra influenciou o Vocabulário Ortográfico da Academia Brasileira de Letras (ABL). Ainda, segundo o gramático, o Dicionário Etimológico de Nomes Próprios (1953) serviu de base para o Vocabulário Onomástico da Língua Portuguesa da ABL.
Pesquisador incansável, Antenor Nascentes estava sempre atento aos fatos a seu redor. Em relação a essa característica do professor, Bechara (1991) lembra um pensamento de Goethe, segundo o qual, o pesquisador deve estar com um olho na Ciência e outro olho na Vida. Na publicação de O Linguajar Carioca em 1922 (1922), apresenta, no prefácio da obra, um dos fatos que motivaram o estudo dos falares do Rio de Janeiro: “Só depois que o grande mestre da filologia românica, em escrito que se dignou dirigir-nos, pediu-nos informações a respeito das alterações sofridas no Brasil pela língua portuguesa, tivemos a ideia de concatenar nossas notas” (Nascentes, 1922, n.p.). Como observa Bechara (1991), no início do século XX, nos meios acadêmicos estrangeiros, havia grande interesse pelas mudanças que se observavam na língua utilizada pelas classes populares. Nessa ocasião, o pesquisador Meyer-Lübke escreveu para Antenor Nascentes, pedindo informações a respeito das alterações sofridas no Brasil pela língua portuguesa. Como o próprio autor explica, essa solicitação lhe trouxe motivação para organizar a obra O Linguajar Carioca em 1922 (1922). Em 1920, Amadeu Amaral publicara O Dialeto Caipira, que trouxe, certamente, grande auxílio para o desenvolvimento da pesquisa sobre os falares do Rio de Janeiro.
A obra de Nascentes (1922) provocou grande impacto pela sua inovação e o próprio autor adverte o leitor no prefácio: “Nosso trabalho não é para a geração atual; daqui a cem anos, os estudiosos encontrarão nele uma fotografia para o estado da língua e nesse ponto serão mais felizes do que nós que nada encontramos do falar de 1822” (Nascentes, 1922, n.p.). O seu interesse pelos estudos dialetológicos não se encerra nessa obra. Em 1958 e em 1962, publica os dois volumes das Bases para a Elaboração do Atlas Linguístico do Brasil, que muito auxiliaram pesquisadores de Dialetologia. Os estudos dialetológicos de Nascentes, além do tratamento dado aos estrangeirismos e neologismos, mostram seu espírito corajoso numa época em que se primava pelo purismo da língua. Segundo observação de Hampejs (1961), o professor evitava o emprego das expressões “certo” ou “errado” em relação a estrangeirismos e neologismos. Para ele, a língua devia seguir o seu próprio rumo e só deveriam ser consideradas incorretas as expressões que fugiam à compreensão. A atenção ao estado da língua que se falava no Brasil do século XX levou-o a escrever também livros e artigos: “A Gíria Brasileira” (1953); “A Pronúncia Brasileira da Língua Portuguesa” – In: Miscelânia Mário Roques (1952); “Tesouro da Fraseologia Brasileira” (1966); “A Preposição do Agente da Passiva” – In: Saggi Ettore i Gotti (1962); O Problema da Regência (1960).
A obra inovadora de Nascentes mostra a sua preocupação não só com a pesquisa como também com o ensino e, como observa Azeredo (2004), ele conseguia, brilhantemente, promover o diálogo entre essas duas instâncias de forma enriquecedora. De sua extensa obra, como exemplos, pode-se citar O Idioma Nacional (1926), coleção de quatro volumes, utilizada no ensino do português do curso secundário do Colégio Pedro II. Nessa obra, Nascentes mostra seu pioneirismo ao tratar do português que se falava no Brasil. Como professor de Filologia Românica da Universidade do Distrito Federal, antiga UERJ, publicou Elementos de Filologia Românica (1954), reunião dos textos que seriam utilizados em suas aulas.
As atividades do professor Antenor Nascentes não se limitaram aos estudos linguísticos. O seu amor pelo Rio de Janeiro o inspirou a publicar, em 1957, Efemérides Cariocas, que, segundo Hampejs (1961), foi escrito para comemorar antecipadamente o IV Centenário da cidade. O seu gosto por viagens motivou-o a escrever diversos artigos sobre turismo em jornais e dois livros de viagem, em que revelava suas impressões sobre cidades brasileiras ou países que visitara.
Antenor Nascentes também fez a tradução de peças teatrais, como O Barbeiro de Sevilha ou a Precaução; O Dia das Loucuras ou o Casamento de Fígaro e O outro Tartufo ou a Culpa Materna. Traduziu, ainda, Teatro, de Beaumarchais. Escreveu também artigos de crítica literária e textos de divulgação musical.
Todo o acervo de Antenor Nascentes, com cerca de 13.000 itens, composto de livros didáticos, artigos de periódicos, postais raros, correspondências ativas e passivas, entre outras publicações, foi doado por sua família ao Colégio Pedro II. Também fazem parte da Coleção Antenor Nascentes objetos pessoais do pesquisador, como máquina de escrever, esculturas e quadros.
Em 1992, foi inaugurado o Centro de Estudos Linguísticos e Biblioteca Antenor de Veras Nascentes. De acordo com informações de Cardoso, Côrbo e Andrade (2021), o Centro de Estudos Linguísticos e a Biblioteca Antenor Veras Nascentes estão subordinados ao Centro de Documentação e Memória do Colégio Pedro II, o CEDOM, que tem a responsabilidade de guardar e preservar todo o material ali depositado.
O Laboratório de Digitalização do Acervo Histórico do Colégio Pedro II (LADAH), que também faz parte do CEDOM, vem se ocupando de realizar a digitalização do material impresso, considerando o valor histórico e o estado de degradação física da obra, com o objetivo de preservar seu conteúdo. A principal obra de Nascentes, o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, foi digitalizada. As teses do concurso para a cátedra de Espanhol tanto de Nascentes como do outro candidato, David Perez, foram também digitalizadas e encontram-se disponíveis em PDF e em DVD.
Referências
AZEREDO, José Carlos. Revisitando Nascentes. In: Matraga. Rio de Janeiro: Programa de Pós-Graduação da UERJ, n. 16, 2004.
BECHARA, Evanildo. Antenor Nascentes - Romanista. Rio de Janeiro: Liceu Literário Português. n. 1 - 1º Semestre de 1991.
BECHARA, Evanildo. Um ilustre representante da negritude brasileira. Portal da academia Brasileira de Letras. Disponível em: http://www2.machadodeassis.org.br/artigos/um-ilustre-representante-danegritude-brasileira. Acesso em: 10 jan. 2024.
CARDOSO, Tatyana M. de M.; CORBO, Priscila de A. B.; ANDRADE, Douglas Felipe de. O patrimônio documental de Antenor Veras Nascentes. In: Biblos. Rio Grande, v. 35, n. 02, jul/dez. 2021.21
CUNHA, Celso. Presença de Antenor Nascentes. In: Cadernos do CNLF. Rio de Janeiro, n. 11, v. 10, 2006.
DOBBERT, Franz et alii (org.) In: Revista Internato. Rio de Janeiro: Colégio Pedro II, 1953.
HAMPEJS, Zdenek. Três aspectos da obra de Antenor Nascentes. In: Revista Letras. Curitiba: Faculdade de Filosofia da Universidade do Paraná, 1961.
Nota da administradora: O texto nesta página reproduzido foi originalmente publicado no jornal distribuído durante o II Seminário do Arquivos de Saberes Linguísticos (SasLi): homenagem a Antenor Nascentes (ILE-UERJ, de 13 a 15 de março de 2024). Foi, ainda, incluído no livro Para uma história das ideias linguísticas de Antenor Nascentes, obra que é fruto do II SasLi.