O SaberLing

Conheça o nosso Projeto

 
1Apresentação

Fundado oficialmente em 2021, o projeto Arquivos de Saberes Linguísticos (SaberLing) visa possibilitar, a partir da articulação entre ensino, pesquisa e extensão, a realização de escutas que possam promover a desestabilização dos “universos logicamente estabilizados”, de que nos fala Pêcheux (2006 [1983], p. 53). Para tanto, à luz da perspectiva discursiva da História das Ideias Linguísticas, parte do princípio de que a seleção do que foi arquivado no passado afeta o que pode/deve ser lido no presente e também no futuro. Assim sendo, diante da falta e da dispersão constitutivas de todo e qualquer arquivo, o Saberling se propõe a construir arquivos de saberes linguísticos que, inscritos em rede, possibilitem intervir no trabalho de gestão da memória do conhecimento linguístico-gramatical no/do Brasil.

A fim de atender a esse propósito, busca adquirir, organizar, catalogar, digitalizar, com reconhecimento óptico de caracteres (OCR), e disponibilizar on-line gratuitamente obras raras e especiais de grande relevância para a reflexão linguístico-gramatical. Com isso, almeja ainda “recolocar em circulação saberes, muitas vezes historicamente silenciados, sobre a(s) língua(s) no/do Brasil e sobre os sujeitos nessas/dessas línguas”, além de “viabilizar, por meio da facilitação do acesso a tais obras, a realização de novos estudos por parte de pesquisadores filiados a diferentes perspectivas teóricas e instituições” (COSTA, 2023).

2O que são saberes linguísticos?
Auroux (1989, p. 15) define ideias linguísticas como os “saberes” produzidos sobre a linguagem e representados, construídos e manipulados enquanto tais por meio de uma metalinguagem. Ainda de acordo com o autor, essas “representações de fenômenos linguísticos” (id., 1998, p. 268 – tradução livre) são externalizadas em objetos empíricos, como as gramáticas, os dicionários, os livros didáticos, entre outros.

São, pois, a esses objetos a que o historiador das ideias linguísticas tem acesso para construir a sua representação da história (ou de uma certa história) do conhecimento linguístico-gramatical – daí se considerar desse lugar que algumas representações podem ser “melhores do que outras” e que “todas são necessariamente parciais” (id., 2021 [2006], p. 9). Quanto ao adjetivo linguístico articulado ao substantivo ideias, Auroux (1989, p. 15 – tradução livre) esclarece que é empregado em sentido lato como “concernente à linguagem”, não se limitando, portanto, àqueles que, numa dada conjuntura, são considerados como científicos.
3Que objetos empíricos constituem os nossos arquivos?
À luz da proposta de Auroux, recortou-se como objetos empíricos preferenciais de nossos arquivos obras historicamente significadas como raras e especiais.

Para conceituação de “obras raras”, foram considerados inicialmente os dois critérios estabelecidos pela Biblioteca Nacional, quais sejam: raridade e preciosidade (BN, on-line), articulando-os às características físicas e de conteúdo da obra, tal como previsto pelo Sistema de Bibliotecas da Unicamp. Assim, são tomadas como obras raras “documentos únicos, escassos, inéditos e preciosos, com valor no mercado livreiro ou valor como artefato, significado histórico e/ou intelectual”, além de edições que, a despeito do parâmetro cronológico, configuram-se como “clandestinas”, “de tiragem reduzida”, “especiais (de luxo para bibliófilos) ou “consagradas esgotadas e não reeditadas”, bem como aquelas que apresentam valor extrínseco, por conterem, por exemplo, “dedicatórias, marcas e assinaturas de pessoas ilustres” (SBU, on-line).

É comum a concepção que de certo modo nivela obras raras e especiais, como observado, por exemplo, na categorização do Sistema de Bibliotecas da Unicamp. Ainda assim, optou-se por acrescentar o adjetivo “especial” à determinação do substantivo “obras” para pôr em relevo, por um lado, a heterogeneidade das materialidades que constituem os acervos (fotos, manuscritos, livros, artigos, colunas, resenhas, prefácios etc.) e, por outro, a relevância historicamente atribuída (ainda que por vezes esquecida) pelos especialistas aos documentos arquivados para a reflexão linguístico-gramatical no/do Brasil.
4O que são arquivos em rede?
O objetivo norteador do SaberLing é construir arquivos de saberes linguísticos inscritos em rede. Essa proposta se baseia na observação de que muitas vezes os documentos sobre uma mesma temática ou filiados a um mesmo nome de autor encontram-se dispersos em diferentes arquivos institucionais e pessoais. Dessa maneira, embora, como explica Costa (2023, no prelo), os arquivos se organizem em rede, isto é, encontrem-se enredados pelos documentos que os constituem, essa organização é “muitas vezes apagada pela dispersão das obras em arquivos incomunicáveis”.

Nesse sentido, a formulação arquivos em rede joga com o equívoco. Os arquivos, em sua dispersão, encontram-se em rede; e o SaberLing tem por propósito fazê-los conversar, se comunicar, por meio da/na rede, lançando luz sobre a dispersão e a falta que os constituem, tensionando-as. Para isso, os pesquisadores envolvidos têm realizado um minucioso trabalho de curadoria, pesquisa e descoberta, visitando presencial ou virtualmente arquivos, bibliotecas e sebos com vistas a construir catálogos (de produção científica, correspondências, fotos etc.), que serão disponibilizados para consulta
5O que diferencia o SaberLing dos demais arquivos e bibliotecas digitais?
Em primeiro lugar, o SaberLing não almeja tão somente o acúmulo documental com vistas à preservação de determinados saberes, e não de outros. Tampouco visa, face à proliferação de textos escritos na sociedade contemporânea e do inegável problema gerado no tocante ao espaço para arquivamento, incentivar a substituição irrestrita do suporte físico pelo eletrônico. Diferentemente disso, seu objetivo é, antes de tudo, possibilitar maneiras outras de lidar com a falta e com a dispersão constitutivas de todo e qualquer arquivo, democratizar o acesso a obras raras e especiais – cuja manipulação física constante poderia, muitas vezes, implicar a sua deterioração – e, com isso, recolocar em circulação saberes muitas vezes esquecidos, possibilitando ainda a realização de novas investigações e a narração de histórias outras sobre o conhecimento linguístico-gramatical no/do Brasil.
6Como o pesquisador poderá utilizar este site?

Alicerçado nos princípios supramencionados, o Arquivos de Saberes Linguísticos se propõe a estabelecer diálogos entre arquivos institucionais (públicos e privados) e pessoais, promovendo a constituição de arquivos em rede e, com isso, configurando-se como uma ferramenta à disposição da comunidade acadêmica que pode contribuir para otimizar o tempo de pesquisa.
Assim, por meio deste site, o pesquisador poderá gratuitamente:

- ler on-line as obras que estão sob a custódia do projeto ou para as quais se estabeleceu acordos de colaboração para digitalização;
- acessar links que levam a documentos que, sob a guarda de outras instituições, já se encontram digitalizados;
- ler transcrições atualizadas desses documentos quando a imagem digitalizada não apresentar qualidade; e
- identificar a localização do documento físico, caso o documento não esteja sob a guarda do projeto, não tenha sido possível estabelecer parcerias para sua digitalização ou a instituição custodiadora ainda não a tenha realizado.

7Nosso compromisso teórico-ético-político
Tendo em vista nossa filiação teórica e os objetivos estabelecidos no que concerne ao tripé ensino-pesquisa-extensão, são elencadas a seguir as ações que constituem o nosso compromisso teórico-ético-político. São elas:

- Intervir, sem pretensão à completude ou à transparência, sobre a gestão das “coisas-a-saber” (PÊCHEUX, 2006 [1983]) do conhecimento linguístico-gramatical no/do Brasil;

- Democratizar o acesso e promover a circulação de conhecimentos e histórias outras sobre a língua no/do Brasil e sobre os sujeitos nessas/dessas línguas, viabilizando o desenvolvimento de novos estudos;

- Contribuir para a formação de novos pesquisadores e professores-pesquisadores; e

- Incentivar, a partir dos arquivos constituídos, o desenvolvimento de pesquisas à luz da perspectiva discursiva da História das Ideias Linguísticas – tomadas desde então não como a verdade sobre o conhecimento linguístico-gramatical, mas como leituras possíveis que, produzidas em condições de produção específicas, propõem-se a desestabilizar sentidos hegemônicos.
8Referências
AUROUX, S. Histoire des idées linguistiques. T. 1. Bruxelles: Galerie des Princes, 1989.

____. La raison, le langage e les normes. Paris: PUF, 1998.

____ . Os modos de historicização. In: Todas as Letras, São Paulo, v. 23, n. 1, p. 1-12, jan./abr. 2021 [2006].

BIBLIOTECA NACIONAL Obras raras. Acesso em 17 out. 2021. Disponível em: Clique aqui. Acesso em 17 out. 2021.

COSTA, T. de A. Para um arquivo do Arquivos de Saberes Linguísticos: notícias de um projeto em andamento. In: VENTURINI, M. C. LACHOVSKI, M. (Orgs.). Museus, memoriais e arquivos em (dis)curso: a língua na história. Campinas, Pontes: 2023.

PÊCHEUX, M. O discurso: estrutura ou acontecimento (1983). 4. ed. Trad. E. Orlandi. Campinas: Pontes, 2006.

SISTEMA DE BIBLIOTECAS DA UNICAMP. Coleções especiais e obras raras. Disponível em: Clique aqui. Acesso em 17 out. 2021.